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MUNDIAL

Brasil: Pastores relatam como crise econômica do governo Bolsonaro afeta manutenção de pequenas igrejas

Por Clívia Mesquita
Brasil de Fato
20 de Outubro de 2022

Diante da atual crise econômica no país, que afeta sobretudo a população mais humilde, igrejas evangélicas de bairros na região metropolitana do Rio de Janeiro e na capital têm enfrentado dificuldade para fechar as contas a cada mês. Fatores como desemprego, pandemia e a perda de renda entre os fiéis derrubaram a arrecadação de congregações que existem há mais de 10 anos, segundo relatos de pastores ouvidos pelo Brasil de Fato.

É o caso da Comunidade Batista de São Gonçalo, que depende da contribuição dos membros para manter o espaço onde acontecem as reuniões todo domingo pela manhã e à noite. O pastor Júlio Cesar, que deu início ao projeto em 2010, explica que a falta de recursos é uma realidade cotidiana nas pequenas igrejas. E isso se agrava ainda mais pela condição econômica dos fiéis.

"Não estamos ligados a nenhuma denominação fundamentalista, somos uma igreja independente, embora Batista. Fomos profundamente afetados por esses tempos confusos e difíceis economicamente. Vimos nossa gente ficar sem trabalho, outras adoecerem", conta o pastor acrescentando que a dificuldade financeira também compromete atividades de formação religiosa.

Júlio é teólogo, atuou como missionário na revitalização de igrejas no município de São Gonçalo e fundou o Instituto Casa Comum durante a pandemia. A organização sem fins lucrativos atende a população mais vulnerável na região com projetos sociais de combate à fome, geração de renda e educação.

"Da manutenção, da existência da comunidade em si, mensalmente a gente vive essa situação de algumas ações ainda estarem na tentativa. Acabamos diminuindo algumas atividades que a gente tinha projetado. Sofremos com a perda de algumas pessoas que acabaram não voltando no meio da pandemia e essa crise toda", lamenta o pastor.

Impacto das eleições

Já para a Igreja Batista da Orla Oceânica, em Niterói, a queda na receita significou fechar as portas do templo. Sem dinheiro para o aluguel da sede, a solução foi começar a realizar atividades híbridas, com transmissões online e comunhões itinerantes. Alternativa que igrejas menores passaram a adotar a partir da pandemia.

"No começo do ano já começamos a sentir o peso dos custos, reajuste de aluguel, perda de renda dos frequentadores, o poder aquisitivo dos irmãos não acompanhou o aumento das despesas. Tivemos que entregar o imóvel que estava alugado, fazer a doação da nossa mobília para ONGs que trabalham com ação social. Agora é aguardar passar isso tudo para ver o que vamos fazer", lamenta o pastor Irenio Chaves.

O líder religioso conta que a congregação sofreu o primeiro impacto nas finanças na campanha presidencial de 2018. Segundo ele, a igreja foi cobrada a assumir uma posição político-partidária contrária à leitura do evangelho e perdeu membros que apoiavam o então candidato Jair Bolsonaro (PL).

"Nossa mensagem é do evangelho da esperança, da graça, do perdão, do acolhimento, do amor. É o evangelho que a gente conhece e prega. Um grupo queria que a gente assumisse uma posição em favor do bolsonarismo e saiu. Era esse o grupo de maior poder aquisitivo. Deu um baque na igreja mas o grupo que ficou sustentou o trabalho", afirma Irenio, pastor há 40 anos.

"Diria que em torno de 40% da igreja não se dobrou a esse tipo de mentalidade, e não aceita esse discurso político-partidário que tomou conta da igreja, essa perseguição declarada a pessoas que defendem os mais vulneráveis. É uma minoria dedicada, fiel, e que está fazendo a diferença graças a Deus. Sustenta a obra. E o tempo da esperança está voltando em nome de Jesus", completa.

Sustento material e espiritual

A Primeira Igreja Batista em Manguinhos, que abrange um complexo de favelas na zona norte do Rio, completou 51 anos no mês de outubro. Antes da pandemia, a congregação evangélica tinha mais de 200 membros e conseguia custear a sede, contribuir com ações de solidariedade e cestas básicas.

Em pouco mais de dois anos, porém, contas básicas como de água e energia começaram a pesar no orçamento. Isso porque a igreja perdeu fiéis para outras denominações que não cumpriram o protocolo sanitário e permaneceram abertas no auge da pandemia.

“Hoje se tivermos uma entrada mensal de R$ 3 mil é muito. Com esse valor não dá para fazer nada, mal pagar as contas. Temos, água, energia, condomínio, material de limpeza. Por outro lado, a sociedade olha para a igreja como seu porto seguro”, pondera Reinaldo.

A crise adiou os planos de construir um anexo onde funcionaria um departamento de educação religiosa integrado à comunidade de Manguinhos. Mesmo nos momentos mais difíceis, o pastor enfatiza que “Deus move todas as coisas para dar respostas às nossas necessidades e anseios”.

“Nosso maior objetivo é buscar esse sustento, quer seja espiritual ou material, para as famílias. De uma certa forma nos sentimos até impotentes porque a questão apenas espiritual não consegue suprir as necessidades materiais”, reflete.

Fonte: BdF Rio de Janeiro