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MUNDIAL

Brasil: Leonardo Boff: "O poder de mobilização da esquerda não é efetivo para oferecer um projeto alternativo"

O teólogo diz que a esquerda tem de renovar a linguagem e as formas de se dirigir ao povo. Defensor de Lula, afirma que está convencido da sua retidão.

Carla Jiménez
El País, Cartamaoir
29 de Maio de 2017

Nos anos 1980, o então sacerdote Leonardo Boff escrevia artigos para o EL PAÍS nos quais defendia a Teologia da Libertação, a corrente cristã que nasceu na América Latina, e que tinha como preceito a opção pelos pobres. “Indiscutivelmente, os primeiros destinatários da pregação de Jesus foram historicamente pobres, os cegos, os dominados, os oprimidos, leprosos... A partir deles, dirigiu-se aos demais. Se não temos a esses como ponto de partida, corremos o risco do reducionismo e do elitismo”. Seus textos incomodaram o Vaticano que o proibiu de continuar escrevendo no jornal espanhol. Era o “silêncio obsequioso” ao qual foi submetido em 1985. Sua voz estava ganhando cada vez mais alcance, e se tornava uma provocação para a própria Igreja enquanto instituição.

O planeta precisou girar 28 vezes ao redor do sol – e a Igreja perder milhões de fieis ao redor do mundo – desde que foi silenciado até que a Santa Sé admitisse que a filosofia defendida pelo brasileiro tinha o propósito mais elementar para seus fieis. Em 2013, ao indicar seu representante máximo, Jorge Mário Bergoglio, o papa Francisco, da escola jesuíta, a Igreja assumiria o discurso com a opção pelos mais vulneráveis. Boff, no entanto, pagou um preço por pregar para além do discurso conservador da Igreja dos anos 80. Foi expulso do sacerdócio pelo que viria a tornar-se o papa Bento XVI. Como disse na época da sua expulsão, Boff “mudou de trincheira, mas não trocou a sua batalha”.

Hoje, o teólogo, doutor em Teologia pela Universidade de Munique, não deixa de ser uma voz dissonante da maioria e continua pagando a fatura dessa exposição, ainda que viva “no meio do mato num local de difícil acesso”, no Estado do Rio, como escreveu ele por email à reportagem. Em abril deste ano, viu-se implicado numa polêmica ao republicar um artigo do EL PAÍS em seu blogue. O texto discorria sobre o choque de realidade que a delação da Odebrecht trazia, e criticava as elites criminosas do Brasil.

Em certo trecho, o artigo mencionava Lula como alguém que ajudou a criminalizar as bandeiras da esquerda (uma vez que seu partido estava envolvido em denúncias de corrupção). Por ter compartilhado o texto, houve a interpretação de que o teólogo endossava seu conteúdo e sinalizava assim um rompimento com Lula, a quem sempre apoiou politicamente. A notícia correu como rastilho de pólvora na imprensa.

Boff chegou a ser acusado de traidor por alguns blogues e se viu achincalhado nas redes sociais. Rechaçou a ilação logo depois. Nesta entrevista, ele fala sobre Lula, a política, e sobre a dificuldade de entrosamento da sociedade. Respondeu a todas as perguntas por email, apesar da insistência da reportagem em fazer a entrevista ao vivo. O questionário foi respondido no dia 22 de maio, ou seja, antes dos protestos em Brasília.

Pergunta. A sociedade brasileira vê-se fragmentada neste momento depois de um tsunami político que parece começar em 2013. Na sua avaliação, em que ponto nos perdemos como sociedade para expor nosso pior lado nas relações sociais? Era uma ilusão que o país já esteve mais unido?

Resposta. Nós nunca fomos uma sociedade no sentido moderno, pois nunca saímos da situação colonial e neocolonial a que fomos submetidos desde a chegada dos europeus em nossas terras. Somos sócios menores e agregados ao projeto das grandes potências que dominam o mundo. Nunca pudemos elaborar um projeto autônomo e soberano de país.

P. As denúncias feitas pelo dono da JBS, que implicam o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, podem reunificar as pessoas depois da polarização que varreu o país?