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MUNDIAL

Ucrânia: Bolsonaro rasga princípios do Brasil de olho em fertilizante russo

Por Leonardo Sakamoto
Brasil de Fato
28 de Fevereiro de 2022

Na escala de valores de Jair Bolsonaro, os fertilizantes vendidos ao Brasil pela Rússia estão acima dos princípios de política externa que o país prometeu defender na Constituição Federal e nos tratados que endossou. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada. E nossa posição é de equilíbrio", disse, neste domingo (27), sobre a invasão da Ucrânia. Pragmatismo diplomático? Não, cálculo eleitoral e incompetência presidencial.

Pragmatismo diplomático? Não, cálculo eleitoral e incompetência presidencial

Após ter transmitido solidariedade à Rússia em uma reunião com o presidente Vladimir Putin, Bolsonaro agora evita criticar a guerra. "Nossa posição tem que ser de bastante cautela para não trazermos problemas para o nosso país", disse. Mas foi o próprio Jair que mandou a cautela para o espaço em Moscou com sua desnecessária e não solicitada declaração de apoio no dia 16 de fevereiro.

O presidente deu uma coletiva à imprensa no Guarujá (SP), neste domingo, onde está curtindo o carnaval com recursos públicos. Alega que ligou para Putin. "Temos que ter responsabilidade em termos de negócios com a Rússia. O Brasil depende de fertilizantes", afirmou.

Sim, depende. Mas, primeiro, a conhecida independência do Brasil em relações internacionais não pressupõe silêncio diante da violação da integridade territorial de um país e da autodeterminação de seu povo. O que aconteceria se fosse com a Amazônia? Ele ia gostar que os países ficassem em silêncio contemplativo em nome do comércio com o país invasor?

Bolsonaro poderia ter condenado incondicionalmente a invasão e, mesmo assim, afirmado que não aplicaria sanções à importação de produtos russos por questões estratégicas nacionais. A isso, daríamos o nome de pragmatismo. Mas ele não fez isso e foi além. Seu discurso na coletiva não teve nada de equilibrado, defendendo Putin e criticando o presidente ucraniano.

Um dos objetivos de Jair na viagem a Moscou foi gerar um fato político com seu colega russo para ser usado junto a seus seguidores e eleitores com propósitos eleitorais. Tentava demonstrar que não era um pária internacional. Agora, seu silêncio estabanado não é traduzido como equilíbrio, mas como uma passada de pano à invasão.

Assista aqui: Tempero da Notícia: Bolsonaro e Mourão entram em conflito sobre guerra entre Rússia e Ucrânia

E, de quebra, expõe que sua preocupação não é com vidas humanas ou a imagem do Brasil no exterior, mas com o impacto no preço de alimentos e, portanto, em sua reeleição, que uma redução na importação de fertilizantes poderia causar.

No dia em que o Exército russo invadiu a Ucrânia, Bolsonaro resolveu fazer campanha eleitoral em São Paulo. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão criticar Putin e a invasão. "O Brasil não está neutro. O Brasil deixou claro que respeita a soberania da Ucrânia, então Brasil não concorda com uma invasão", disse. Comparou as ações do governo do russo às da Alemanha nazista pré-Segunda Guerra e disse não acreditar que apenas sanções econômicas funcionarão.

Na noite da mesma quinta em que o vice soltou o verbo, Jair desautorizou as declarações, sem citar o seu nome, dizendo que é ele quem trata dessas questões. Afirmou que "quem tá falando, tá dando 'piruada' naquilo que não lhe compete".

O fato de os Estados Unidos contar com uma longa lista de invasões de outros países para saciar seus interesses econômicos e a Otan, uma aliança militar, agir de forma expansionista sobre a vizinhança da Rússia não diminui o fato que Putin, um governante autocrata, invadiu de forma inadmissível a Ucrânia, uma nação soberana, deixando um rastro de mortes, dor e destruição para forçar que o país se mantenha neutro.

Desde que os tanques e helicópteros russos atravessaram a fronteira ucraniana, Bolsonaro ainda não repudiou a ação. Ou seja, sua última palavra ainda é de apoio ao Kremlin.

O que foi reforçado pela coletiva de hoje. O brasileiro aproveitou para dar uma cutucada no presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao dizer que a população de lá confiou em um comediante - o atual presidente era um conhecido humorista no país.

"O comediante que foi eleito presidente da Ucrânia, o povo confiou em um comediante para traçar o destino da nação", disse Bolsonaro.

Vendo os recordes de desmatamento e os quase 650 mil mortos por covid-19, o mundo também pensa que confiamos em um comediante. Mas, no nosso caso, seu humor é sombrio e involuntário.

Edição: Rebeca Cavalcante