MUNDIALQuando o mundo se levantaPor Florence Poznansk*
Brasil de Fato
28 de Janeiro de 2020
Revolução. Um horizonte vibrante em nome do qual séculos de levantes populares aspiraram para que aconteça uma transformação radical do exercício do poder. 2019 foi o ano dos levantes no mundo inteiro. Chile, Argélia, Líbano, Equador, Iraque, Sudão, Hong Kong, França, inúmeras ondas populares jorraram pelas ruas das capitais do mundo.
Hora contra um imposto sobre o combustível, hora contra o aumento da passagem de ônibus, logo a frente mais uma candidatura de um presidente moribundo. Todas essas mobilizações populares têm causas específicas e, no entanto, são muito semelhantes.
Mas todas elas levarão à revolução?
Todas partem de violações sofridas há muito tempo, e a convergência coletiva finalmente permite combater. Reivindicam o direito à dignidade, ao emprego, à mobilidade, ao serviço público de saúde e educação, à coleta de lixo. Reivindica mais Estado social. O papel das mulheres é central, pois comprova a óbvia incompatibilidade do patriarcado com a justiça social. A juventude também é sempre presente. Em todos os lugares, agitam-se bandeiras como prova de uma vontade coletiva de (re)fazer a nação em nome da soberania do povo e não do ódio e da exclusão.
A partir dessa profunda indignação coletiva, oriunda de sofrimentos individuais, constrói-se em cada uma dessas mobilizações a mesma crítica ao modelo neoliberal. A rejeição da austeridade orçamentária, que torna os serviços públicos mais precários e tem por consequência o aumento das despesas das famílias, tornando-as mais vulneráveis aos interesses e caprichos do mercado. Indignação com a corrupção, seja ela pontual ou sistêmica, mas que sempre comprova a inaceitável conivência dos dirigentes estatais com os poderes privados dos setores da finança, do agronegócio, da energia, do armamento, etc. A exigência de maior responsabilidade dos representantes frente aos desafios climáticos do presente e do futuro e a participação real do povo nas decisões políticas.
A teoria das revoluções cidadãs que desenvolvemos na France Insoumise distingue dois momentos de estado coletivo de consciência. O primeiro é o momento destituinte. Manifesta-se com o rompimento da cadeia de consentimento à autoridade, abre a brecha para desestabilização do governo. Do outro lado o regime resiste sempre, com vigor e muitas vezes consegue se manter. A força repressiva dos governos é outra semelhança observada em todas as mobilizações. Sejam democráticos ou autoritários, os regimes empregam violência redobrada para tentar impedir que as revoltas cresçam.
O artefato revolucionário ocorre quando, encurralado, o regime recua. Com isso começa o segundo momento, o momento constitutivo em que o povo soberano é instituído para construir os fundamentos de uma nova organização política justa e igualitária.
A tarefa é imensa e inspiradora. Não conhece grandes triunfos, mas pequenas vitórias conquistadas por uma incansável luta, e solidariedade, para fortalecer a consciência e a determinação coletiva de continuar até o fim. Ela é essencialmente internacionalista. É por isso que as marchas de todas essas multidões nos quatro cantos do mundo são tão importantes para todos aqueles que lutam.
*Florence Poznanski é francesa, cientista politica e membro da direção nacional do Parti de Gauche/France Insoumise, França
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